A IMAGEM NA CIÊNCIA E NA ARTE
[RESUMO / ABSTRACT] Vivemos hoje sob o império da imagem. Depois da voz e da escrita, parece ser a imagem que adquire uma inaudita relevância. Ela determina a nossa vida de forma cada vez mais decisiva, tanto a nossa maneira de ver o mundo como a forma de nele inscrevermos a nossa existência individual e colectiva. Qual o bem fundado desta apreciação? E, em que consiste o novo estatuto da imagem, se é que existe? De que modo a digitalização altera, aprofunda, transforma as suas tradicionais funções? (task3). Mas, o que é afinal a imagem? Como é se tem deixado pensar pela tradição filosófica? Que novas aproximações teóricas têm sido propostas para o esclarecimento da sua natureza? Será a imagem apenas um meio de aceder ao conceito, efémero mediador, simples aparição? Ou, pelo contrário, uma realidade que se oferece enquanto apresentação sensível de uma ordem que só nela e por ela se dá a ver? Como explicar que seja a concepção de imagem como meio com vista a um fim que trabalha a expressão “meios audio-visuais” quando, paradoxalmente, sabemos que as novas tecnologias são um dos mais poderosos factores da espessura que a imagem hoje adquiriu? (t1). Gadamer (1960) mostrou que, se o iconoclastismo é o receio de que a imagem possa funcionar como fim em si mesma, a arte foi salva no ocidente cristão porque aí a imagem se deixou pensar, não como algo que reenvia àquilo que representa (Deus Pai), mas de forma positiva, pela sua capacidade de afirmar algo que o modelo por si só não poderia afirmar (Cristo). A sacralização da Arte encontraria o seu fundamento numa compreensão da imagem em que esta é, não uma simples “cópia” que vale pela sua capacidade de veículo para a realidade que representa, mas como realidade dotada de um ser próprio. Não poderão as recentes produções artísticas ser pensadas como expressão desta valorização extrema da imagem, para lá da sua tradicional capacidade figurativa? E na ciência? Será que a imagem desempenha mais do que uma função representativa? Se assim é, qual o seu papel? Por que são as imagens usadas em ciência? Como são usadas? De que modo se pode dizer que uma imagem científica é verdadeira? Será que a imagem científica pode ser artisticamente avaliada? Em caso afirmativo, com que critérios? Sabemos que a História e a Filosofia da Ciência de inspiração positivista negligenciaram inteiramente o estudo da imagem em ciência atribuindo-lhe um mero papel ilustrativo. Por seu lado, os Historiadores da Arte só se têm interessado pela imagem científica enquanto elemento decorativo, em articulação com a estética da época e a Iconografia só têm estudado as imagens científicas em termos técnicos, à margem da ciência que são supostas ilustrar (Blunt e Stearn, 1994). Na linha de Mitchell (1998), interessa-nos estudar a imagem em ciência, em termos internos, relativos à constituição do discurso científico, aos efeitos de estabilização, reforço, reciprocidade ou simbiose que mantém com a palavra, e externos, determinando os factores ideológicos e estéticos que intervêm na sua produção e utilização. Ver, por exemplo, como as imagens produzidas pela ciência ultrapassam as intenções com que são criadas pelos cientistas e se propagam para a cultura geral aí configurando a nossa imagem e discurso acerca do planeta Terra, da sexualidade, da raça, etc. Com base numa
equipa
interdisciplinar,
este projecto tem a imagem como
objecto
central de investigação. A
metodologia
será comparativa (estudos
de caso), cruzando sempre arte, ciência e filosofia. Faremos o estudo
histórico de 4 obras paradigmáticas quanto ao estatuto híbrido que a
imagem nelas desempenha, enquanto dispositivo de saber dotado de valor
estético vs objecto artístico cognitivamente orientado (Leonardo,
Vesalius, Goethe and Darwin) (task 5). Investigaremos as formas pelas
quais a imagem é usada na construção do conceito científico e na
comunicação/divulgação da ciência a partir do estudo sistemático da
ilustração científica em Portugal (task 7) e do levantamento exaustivo
do seu lugar em 2 revistas portuguesas (científica e de divulgação –
task 6). Em colaboração com as Faculdades de Medicina e Belas Artes da
UL, propomo-nos identificar, catalogar e estudar a inexplorada colecção
de desenhos anatómicos do Museu de Medicina (t8), comparando-a com a
colecção de desenhos de nu da FBAUL (t9), confrontando assim o estudo
científico da anatomia humana e o desenho artístico do corpo humano. Em
diálogo com a tradição filosófica e seus desenvolvimentos actuais (da
Bachelard a Deleuze - t4), queremos questionar a própria natureza da
imagem e, se possível, participar na elaboração de uma “filosofia da
imagem”(task 1). Analisaremos o lugar da imagem em 3 programas
epistemológicos e semióticos (Leibniz, Frege e Peirce (task 2) e
interrogaremos o alcance das recentes explorações (anos 90) da
Neuroestética (task 10). Assumimos 3 compromissos fundamentais: dar especial atenção à produção portuguesa de imagem em termos de ciência e arte (tasks 6,7,8,9); promover a investigação interdisciplinar entre as comunidades artística, científica e filosófica em Portugal; divulgar amplamente o nosso trabalho e resultados (task 11).
We are today under the
empire of image. After the oral and the written Word, it seems that image
acquires an unheard relevance. It determines our life more and more decisively,
both our way of seeing the world and the way by which we perform our individual
and collective existence. Is this a well grounded appreciation? What is the new
status of image, if any? In which way does digitalization transform and renovate
the traditional functions of image? (task 3). What after all is image? How has
it been thought by the philosophical tradition? What new theoretical approaches
have been proposed to clarify its nature? Is image just a means for accessing
the concept, just a fragile and evanescent mediator, just a mere appearance? Or,
on the contrary, is image an entity, a manifestation or a sensible presentation
of a superior meaning which only in it and by it can be seen? How to explain
that such a conception of image (as a means in view of an end) could be at the
root of the expression “audio-visual means” when, paradoxically, new
technologies are one of the most powerful factors that can explain the density
of image we witness today?(1). Gadamer (1960) stresses that iconoclasticism is
the fear that image may function as an end in itself. Art would have thus been
saved in Christian civilization because, here, image was conceived, not only as
opening to what it represents (God, the Father), but in a positive way, by its
capacity of affirming something which the represented entity could not mean by
itself (Christ). |
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